Fugir do local do acidente de trânsito é crime
O julgamento do Recurso Extraordinário (RE 971959) pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 14 de novembro de 2018 trouxe à tona uma questão que divide opiniões sobre a inconstitucionalidade do artigo 305 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) que tipifica como crime fugir do local do acidente.
No caso analisado po condutor fugiu do local após colidir com outro veículo e foi condenado a oito meses de detenção, pena que foi substituída pela pena restritiva de direitos. No entanto, no julgamento da apelação, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) absolveu o réu. A corte gaúcha considerou inconstitucional o artigo 305 do CTB com o fundamento de que a simples presença no local do acidente representaria violação da garantia de não autoincriminação, uma vez que ninguém é obrigado a produzir provas contra si. Diante de tal decisão o Ministério Público gaúcho interpôs o recurso extraordinário ao STF.
A grande questão discutida era se o fato de o motorista permanecer no local do acidente feria a garantia de não ser obrigado a produzir provas contra si ou se o Estado passaria a mensagem para àquele que se envolvesse em acidente fugisse do local, deixando para trás vítimas.
O tema gerou controvérsias e o primeiro ministro a votar buscando a inconstitucionalidade do artigo 305 do CTB foi Gilmar Mendes, argumentando que “o STF já assentou que o direito de permanecer calado, previsto na Constituição, deve ser interpretado de modo amplo, e não literal”.
De acordo com o ministro, “a permanência do imputado no local do crime inquestionavelmente contribui para a comprovação da autoria, assentando o seu envolvimento com o fato em análise potencialmente criminoso” e que “o fato de o condutor do veículo poder permanecer posteriormente em silêncio não afasta a violação ao direito à não autoincriminação quando obrigado a permanecer no local do acidente”.
O ministro Marco Aurélio também votou pela inconstitucionalidade, afirmando que a norma que “lança ao banco dos réus alguém que simplesmente deixa o local do acidente, não é harmônica com o princípio constitucional da proporcionalidade”.
No mesmo sentido votou o ministro Celso de Mello, ao entender “que a cláusula contra a autoincriminação não se restringe ao direito de permanecer em silêncio, mas preserva o suspeito, investigado, denunciado ou o réu da obrigação de colaborar ativa ou passivamente com as autoridades, sob pena de infringência à cláusula do devido processo legal”.
Seguindo o mesmo raciocínio, o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, acompanhou a corrente divergente, votando pela inconstitucionalidade do referido artigo.
No entanto, de acordo com o entendimento do Relator, Ministro Luiz Fux, “o tipo penal previsto no dispositivo tem como bem jurídico tutelado a administração da Justiça, que, a seu ver, fica prejudicada pela fuga do agente do local do evento, pois essa atitude impede sua identificação e a apuração do ilícito na esfera penal e civil”, apontando que a jurisprudência do STF sempre prestigiou o princípio da não autoincriminação, porém evoluiu no sentido de que não há direitos absolutos, que no sistema de ponderação de valores, é admitida certa mitigação e que “o direito à não autoincriminação não pode ser interpretado como direito do suspeito, acusado ou réu a não participar de determinadas medidas de cunho probatório”.
Além disso, “a exigência de permanência no local do acidente e de identificação perante a autoridade de trânsito não obriga o condutor a assumir expressamente sua responsabilidade civil ou penal e tampouco enseja que seja aplicada contra ele qualquer penalidade caso assim não o proceda”, ressaltou.
Seguindo o relator, o ministro Alexandre de Moraes “ressaltou a situação ‘caótica’ no trânsito brasileiro, citando dados de 2017, assinalando que houve 47 mil mortes no país por causa de acidentes de trânsito, sendo que 400 mil pessoas ficaram com sequelas, resultando no gasto de R$ 56 bilhões, que daria para construir 28 mil escolas ou 1,8 mil hospitais”.
Os demais ministros também votaram nesse sentido, sendo citada a Convenção de Viena sobre Trânsito Viário, internalizada no Brasil em 1981 a qual prevê que “o condutor ou qualquer outro usuário da via implicado em acidente de trânsito deverá, se houver mortos ou feridos, advertir a polícia e permanecer ou voltar ao local até a chegada da autoridade, a menos que tenha sido autorizado para abandonar o local ou que deva prestar auxílio às vítimas, ou ser ele próprio socorrido”. De acordo com ministro Edson Fachin, argumentando ainda o ministro Luís Roberto Barroso que “se estendermos o direito à não autoincriminação à possibilidade de fuga, sem atenção à vítima ou a danos, estaríamos estimulando um comportamento de falta de solidariedade e de irresponsabilidade”.
As ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia também votaram pela constitucionalidade do artigo alegando que “não há, no caso, afronta ao princípio da proporcionalidade ou excesso na atuação do legislador, pois o direito é feito considerando a realidade para a qual se produz”, assinalou.
O ministro Ricardo Lewandowski acrescentou que “a presença do condutor no local do acidente, por si só, não significa qualquer autoincriminação e pode até constituir um meio de autodefesa” e que “o eventual risco de agressões que o condutor pode sofrer por parte dos envolvidos ou uma lesão corporal sofrida que exija o abandono do local do acidente, pode ser legitimado mediante a alegação de uma excludente de ilicitude, tal como a legítima defesa ou o estado de necessidade”.
Assim, por sete votos a quatro, o STF decidiu pela constitucionalidade do artigo 305 do CTB, onde o Plenário aprovou a seguinte tese de repercussão geral, proposta pelo relator, ministro Luiz Fux: “A regra que prevê o crime do artigo 305 do CTB é constitucional posto não infirmar o princípio da não incriminação, garantido o direito ao silêncio e as hipóteses de exclusão de tipicidade e de antijuridicidade”.
Portanto, após exaustivos debates, percebe-se que é imprescindível que o condutor que se envolva num acidente, além de desenvolver a consciência em relação à solidariedade que deve ter com o próximo, esteja também ciente de que será punido caso fuja do local, sofrendo as sanções que lhe serão cabíveis, ainda que não haja vítimas.
Se você gostou do artigo ou essa informação foi útil para você clique em "Curtir o artigo" e compartilhe com seus amigos nas redes sociais para que essa relevante informação chegue a outras pessoas. Você também poderá fazer comentários ou indicar temas para novos artigos logo abaixo.
Fontes:
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Plenário julga constitucional norma do CTB que tipifica como crime a fuga do local de acidente. Notícias STF. Publicado em 14/11/2018. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=395716 Acesso em: 21/11/2018
https://www.youtube.com/watch?v=QuzNWKy7c-Y
Comentarios