FISCALIZAÇÃO DE PENSÃO ALIMENTÍCIA: INDÍCIOS de MAU USO bastam para pedir PRESTAÇÃO DE CONTAS!
A pensão alimentícia é o valor pago à uma pessoa para o suprimento de suas necessidades básicas de sobrevivência. Apesar da palavra “alimentos”, o valor não se limita apenas aos recursos necessários à alimentação, devendo abranger, também, os custos com moradia, vestuário, educação e saúde, entre outros.
Algumas dúvidas podem surgir quanto ao destino dado à pensão. Será que o dinheiro está sendo usado devidamente com a criança?
É possível pedir a prestação de contas para fiscalização de pensão alimentícia. Para isso, não é necessária a comprovação prévia do mau uso da verba alimentar, bastando apenas indícios, como entendeu a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao fixar balizas para a interpretação do artigo 1.583, parágrafo 5º do Código Civil e, em decisão unânime, permitiu que um pai fiscalize o uso, pela mãe, da pensão paga em favor de seus filhos gêmeos.
A norma em questão foi incluída pela Lei 13.508/2014 e transformou o genitor que não detém a guarda do menor em parte legítima para “solicitar informações ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos”.
Até então, a jurisprudência era no sentido de que a prestação de contas não seria cabível, pois as verbas pagas em alimentos são irrepetíveis e por conta da ausência de legitimidade do guardião - aquele que detém a guarda e administra os valores da pensão - para figurar no polo passivo da ação, já que o titular dos alimentos é o menor.
Pelas circunstâncias do caso concreto, o acórdão do STJ evolui ao definir que a prestação de contas deve seguir o rito ordinário, com ampla produção de provas, em vez do rito especial previsto no artigo 550 do Código de Processo Civil, mais simples e célere. Nesse ponto, o voto vencedor do ministro Moura Ribeiro na 3ª Turma decidiu que os critérios que deverão ser observados para a efetivação da prestação de contas seriam tarefa do juízo da causa em virtude das peculiaridades do caso concreto, que envolvia menor portador da síndrome de Down.
A 4ª Turma também definiu que a prestação de contas só abrange período a partir de 22/12/2014, quando entrou em vigor a Lei 13.508/2014, já que o pedido feito no caso concreto é que a mãe prestasse conta dos valores pagos desde 2011 enquanto a ação foi ajuizada em 2018. Esse ponto não foi discutido no recurso que chegou à 3ª Turma.
Em voto vogal, o ministro Raul Araújo defendeu essas duas premissas porque considerou impossível que a mãe tenha anotado cada despesa pessoal que fez desde 2011. Além disso, a obrigação de prestar contas não foi prevista na decisão que concedeu a pensão. Assim, ela não pôde se preparar para fazê-la.
A unificação da jurisprudência em relação à interpretação do artigo 1.583, parágrafo 5º do Código Civil é relevante porque o caso julgado pela 3ª Turma gerou embargos de divergência, cuja tramitação já foi admitida pelo relator, ministro Antônio Carlos Ferreira (EREsp 1.814.639). O acórdão paradigma apontado é justamente da 4ª Turma, que em sua orientação anterior afastava a prestação de contas em pensão alimentar.
O ministro Luís Felipe Salomão apontou que, no caso da pensão alimentícia, a ação de exigir contas não tem como pressuposto necessário a existência de um crédito. Ou seja, o objetivo não é apurar um saldo devedor que poderá ser devolvido, mas sim investigar se a aplicação dos recursos destinados ao menor é a que mais atende ao seu interesse.
Assim, a prestação de contas de pensão alimentícia permite que os valores alimentares sejam mais bem conduzidos, previne intenções maliciosas de desvio e ganha caráter de educação do administrador para conduzir corretamente os negócios dos filhos menores.
“Entende-se como natural que o alimentante queira saber como os recursos pagos estão sendo empregados, se está sendo cumprido o desiderato de satisfação integral das necessidades do menor e se não está ocorrendo o desvirtuamento abusivo ou mesmo o gasto excessivo e supérfluo, não se deixando o monopólio do poder de gerência desses valores nas mãos do ascendente guardião”, afirmou.
Assim como no julgado pela 3ª Turma, o caso concreto apreciado pela 4ª Turma traz indícios de mau uso dos valores da pensão, pois o pai justificou o pedido de prestação de contas alegando que pagava entre R$ 7 e 10 mil, mas muitas vezes encontra os filhos com roupas rasgadas, carentes de higiene pessoal e com material escolar danificado.
O ministro Salomão destacou que deve-se afastar o uso da prestação de contas quando existir o intuito o de importunar o administrador dos alimentos. Com isso, são necessários apenas indícios de que a pensão está sendo mal aplicada, mas provas, por outro lado, são desnecessárias.
“O objetivo precípuo da prestação de contas é o exercício do direito-dever de fiscalização com vistas a — havendo sinais do mau uso dos recursos pagos a título de alimentos ao filho menor — apurar a sua efetiva ocorrência, o que, se demonstrado, pode dar azo a um futuro processo para suspensão ou extinção do poder familiar do ascendente guardião”, concluiu.
Portanto, diante da norma incluída no Código Civil, não é mais possível falar em falta de legitimidade ativa ou de interesse de agir do alimentante na prestação de conta dos alimentos. A irrepetibilidade dos valores também não é mais óbice à tramitação da ação.
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REsp 1.911.030
Fontes:
Direito de Família — Pensão alimentícia no direito de família. Ministério público do Paraná. Disponível em: https://mppr.mp.br/pagina-6662.html Acesso em: 02/09/2021.
Vital, Danilo. Indícios de mau uso bastam para pedir prestação de contas de pensão, diz STJ. Revista Consultor Jurídico. Publicado em 02 de setembro de 2021. Disponível em: https://www.direitonews.com.br/2021/09/indicios-mau-uso-prestacao-contas-pensao.html Acesso em: 02/09/2021.
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